Por: Jeff e Steve Spencer Bright
Este artigo apareceu pela primeira vez no Christian Research Journal, Volume 27, número 5 (2004). Para maiores informações ou para subscrever no Christian Research Journal vá para: http://www.equip.org
SINOPSE
Os ensinamentos de Finis Jennings Dake, autor da “The Dake Annotated Reference Bible” (*lançada no Brasil pela CPAD como Bíblia de Estudo DAKE), tiveram um profundo impacto no Pentecostalismo conservador e tem sido adotados por pregadores carismáticos da Confissão Positiva, como Kenneth Copeland e Benny Hinn. Os pontos de vista de Dake vão desde ortodoxos a bizarros, a decididamente não ortodoxos. Ele rejeitou a teologia do “denominacionalismo” e ao invés disso adotou uma interpretação hiperliteral das Escrituras, o que resultou em doutrinas erróneas, tais como a visão de que cada pessoa da Trindade tem um corpo, alma e espírito, e que o corpo ressuscitado de Jesus não era físico. Seus ensinamentos aberrantes também incluem a salvação pela graça mais as obras e um evangelho da saúde e da prosperidade. Os materiais de estudo de Dake enfatizam a autoridade da Bíblia, mas eles contêm muitas doutrinas antibíblicas e perigosas, que às vezes têm muito em comum com as seitas e não com a teologia cristã histórica.
Cada denominação cristã pode apontar para certos pregadores e ensinadores que ajudaram a moldar e a propagar a sua teologia e prática. Uma dessas figuras proeminente nos círculos carismáticos e pentecostais é Finis Jennings Dake (1902-1987), o autor da Bíblia de Estudo Dake. O Dicionário dos Movimentos Pentecostais e Carismáticos declara, “o impacto de Dake no pentecostalismo conservador não pode ser mais amplo.”1
Uma Breve Biografia
Depois de sua conversão ao cristianismo com a idade de 17 anos, em Tulsa, Oklahoma, Dake alegadamente recebeu uma “unção especial” que lhe permitia citar centenas de versículos das Escrituras, sem tê-los previamente memorizado, o que lhe valeu o apelido de “O Bíblia Ambulante”. Ele estudou a Bíblia diligentemente e alegou ter despendido cerca de 100 mil horas ao longo de seu ministério, aprofundando-se em seus ensinamentos.2
Dake começou a pregar em 1925, e foi ordenado pelas Assembleias de Deus, dois anos depois, com a idade de 24 anos.3 Depois de trabalhar como pastor e evangelista no Texas e em Oklahoma, mudou-se para Zion, Illinois, para se tornar pastor da Igreja Cristã Assembleia, uma união que durou até 1937.4 Em Zion, ele também fundou o Instituto Bíblico Siló, que ultimamente fundiu-se com o Intituto Bíblico Central, localizado na casa que fora de propriedade do controversial curandeiro John Alexander Dowie.5
Durante o ministério de Dake em Zion, ele foi o centro de uma série de controvérsias. Em 1937, ele foi condenado por violar a Lei “Mann”, por ter propositalmente transportado uma adolescente de 16 anos, Emma Barelli, em todo o percurso do estado de Wisconsin “para o propósito de orgias e outras práticas imorais.”6 Dake se declarou culpado e foi sentenciado a seis meses na prisão de Milwaukee7, onde “pretendeu passar a maior parte do seu tempo … escrevendo um livro – um comentário sobre a Bíblia.”8
Dake voltou para a sua família e para a Igreja Cristã Assembleia, que estiveram ao seu lado e mantiveram a sua inocência durante a sua provação. Seu relacionamento com as Assembléias de Deus, entretanto, logo acabou (*cassaram-lhe a sua credencial). Ele então se mudou para Cleveland, Tennessee, onde, inicialmente, tornou-se ministro da Igreja de Deus, e, em seguida, pastoreou uma igreja pentecostal independente.9 Dake manteve-se um ministro pentecostal até a sua morte em 1987, de mal de Parkinson.10
OS ESCRITOS DE DAKE
A longa carreira de Dake culminou com duas obras publicadas: “God’s Plan for Man: The Key to the World’s Storehouse of Wisdom” (O plano de Deus para o homem: A Chave para o armazém do Mundo da Sabedoria) que contém o coração dos seus ensinos. Esse curso de 52 lições propõe-se a ser “uma biblioteca de conhecimentos bíblicos de forma compacta … mais de 10.000 tópicos, esboços de sermões, e perguntas respondidas completamente – todos apoiados e comprovados por 33 mil referências a passagens das Escrituras.”11 A obra mais popular de Dake é a Bíblia de Estudo Dake, que muitos pentecostais americanos consideram ser a mais completa bíblia de estudos.12 Suas notas e comentários são feitas no texto da versão da bíblia “King James” (Rei Tiago) e são tirados, em grande parte, do “Plano de Deus para o Homem”. O Dicionário dos Movimentos Pentecostais e Carismáticos afirma que ela “se tornou o ‘pão e manteiga’ de muitos pregadores proeminentes e a ‘matéria-prima’ de congregações pentecostais.”13 A “Dake Publishing Company”, operada pela família Dake, vende cerca de 40.000 exemplares da Bíblia Dake a cada ano.14 Finis Dake, Jr., afirma: “Até onde eu sei esta é a única Bíblia de Estudo com um evangelho integral ou orientação carismática ainda em impressão, que não mudou coisa alguma no sentido de atrair um público do mais variado.”15
Muitos ensinadores pentecostais e carismáticos americanos louvam a obra de Dake. Jimmy Swaggart uma vez escreveu: “Finis Dake era um estudioso ímpar. Eu devo a minha educação bíblica a este homem.”16 O pregador da Confissão Positiva Larry Ollison, diretor Regional do Centro-Oeste da Convenção Internacional dos Ministérios da Fé, elogia a Bíblia Dake como uma boa ferramenta de referência com “listas e informações úteis que não são encontradas facilmente em nenhum outro lugar.”17 David Roebuck, diretor do Centro de Pesquisa Pentecostal da Universidade Lee, declara: “A Bíblia de Estudo Dake tem muitas ferramentas e gráficos úteis.”18 Os principais mestres da Confissão Positiva, como Kenneth Copeland, Kenneth Hagin e Benny Hinn também adotaram a Bíblia de Estudo Dake e seus ensinamentos.
A BÍBLIA
Dake, para seu crédito, argumenta que a Bíblia é a inspirada, inerrante e autorizada Palavra de Deus e, portanto, não pode conter contradições. Seu esforço para sistematizar os ensinamentos bíblicos sobre centenas de temas parece ser sincero. Ele argumenta que a Bíblia foi escrita numa linguagem humana simples, e deve ser interpretada da mesma forma: “Devemos deixar o que Deus diz significar o que Ele diz e rejeitar qualquer teoria dos homens contrária.”19 A regra imperativa de interpretação de Dake é: “Tome cada declaração da Bíblia como literal quando ela é possível e onde é claro que é literal, caso contrário, ela é figurativa.”20 Dake aplica esta regra repetida e constantemente, e sua interpretação simples e literal, provavelmente, contribui para a popularidade de seu comentário bíblico. Sua atenção ao texto bíblico resulta em muitas observações e interpretações corretas, porém, sua abordagem demasiadamente simplista e hiperliteral resultam em muitas interpretações incorretas, bem como nas não ortodoxas e problemáticas doutrinas de sua teologia.
Vários estudiosos e apologistas evangélicos da Bíblia têm manifestado preocupação com os ensinamentos não ortodoxos de Dake, mas nenhuma grande obra foi publicada para os expor e os corrigir. A popularidade de Dake, entretanto, exige uma avaliação de seus ensinamentos, à luz da ortodoxia cristã histórica. Este artigo aborda apenas alguns aspectos.
A NATUREZA DE DEUS
Muitos dos erros doutrinários de Dake começam com a sua incompreensão da natureza de Deus. Ele afirma: “Deus tem um corpo-espírito com partes corporais como o homem.”21 A única diferença entre o corpo de Deus e do homem, de acordo com Dake, é que o corpo de Deus é uma substância espiritual enquanto que o corpo do homem é uma substância material. Ele apresenta várias linhas de raciocínio falho para apoiar a sua opinião. Em primeiro lugar, ele argumenta já que o corpo natural se tornará um corpo espiritual, isto significa que os seres-espíritos têm corpos:
Paulo fala do corpo de carne e osso do ser humano na ressurreição como sendo “espiritual” (1 Co 15.42-44), e como o “seu corpo glorioso” (Lc 24.39; Fp 3.20,21), assim, se os corpos humanos que se tornam espiritualizados ainda são materiais e tangíveis, então certamente Deus e outros espíritos podem ter corpos tão reais e ainda serem seres espíritos. Afinal, João 4.24 é uma mera declaração de fato – que Deus é Espírito – mas não define e nem analisa um espírito.22
1 Coríntios 15.42-44, no entanto, não se refere à natureza de Deus, mas à natureza do corpo humano ressuscitado. “Corpo espiritual”, aliás, neste contexto, não significa um corpo feito de substância espiritual, e sim, significa que o corpo físico, material e de carne e osso que ressuscitará, feito imortal e imperecível não será mais dominado pela carne (isto é, pela natureza pecaminosa), mas pelo Espírito.
Dake também argumenta desde que os humanos foram criados à imagem de Deus e têm corpos, Deus deve ter um corpo também: “Se o homem foi feito à imagem e semelhança de Deus corporalmente, então Deus deve ter um corpo, uma aparência e forma exterior.”23 Os mórmons seguem o mesmo argumento. É falso, no entanto, supor que porque nós somos como Deus, Deus deve ser como nós. Norman Geisler e Ron Rhodes explicam, “Só porque todos os cavalos têm quatro patas não significa que todas as coisas de quatro patas são cavalos. E só porque Deus fez macho e fêmea não significa que ele seja macho e fêmea. ‘Deus é Espírito’ (João 4.24), mas ele fez as pessoas com corpos (Gn 2. 7). Só porque temos um corpo físico não significa que Deus tem um também.”24
Dake assevera que a Bíblia fala claramente de Deus como tendo um rosto, mãos, olhos, braços, pernas e outras partes do corpo, tal como qualquer outra pessoa.25 Ele reconhece que a Bíblia às vezes usa uma linguagem que, obviamente, é figurativa, como quando ela diz que Jesus é “a porta” (João 10.7), no entanto, com base na sua regra de “tomar a Bíblia literalmente sempre que possível”, ele sustenta que as passagens que atribuem partes do corpo humano a Deus devem ser interpretadas literalmente. Em outras palavras, ele acredita que é possível Deus ter um corpo e, portanto, interpreta estas passagens literalmente.
Há um problema com esta abordagem simplista: se é possível Deus ter um corpo é uma questão filosófica que deve ser respondida antes de se interpretar passagens que falam das partes do corpo de Deus. É semelhante à questão se Deus pode mentir: se é possível Deus mentir (e Ele não pode por causa da Sua natureza) é uma questão que deve ser respondida antes de se interpretar a declaração bíblica: “Deus não pode mentir”. Esta não pode ser respondida com base na declaração bíblica apenas, porque é logicamente possível que Deus tenha mentido nessa declaração.
Muitos argumentos filosóficos provam que Deus não pode ter um corpo. Por exemplo, se Deus tem um corpo que é composto de partes, então ele deve ter sido composto (isto é, criado, montado) por outro ser superior a Si mesmo, porque Ele não poderia ter composto a Si mesmo. Em outras palavras, se Deus tem um corpo, ele não é realmente Deus. Outro argumento é que os corpos existem no espaço e no tempo, mas, Deus criou o espaço e o tempo e, portanto, ele deve existir para além do espaço e do tempo. Deus, portanto, não pode ter um corpo.
O ponto central desses argumentos é que é logicamente impossível para Deus ter um corpo por causa da sua natureza (ou seja, o que Deus é). Um corpo é limitado, temporal, mutável, visível, material, composto de partes, e presente em apenas um local de cada vez, ao passo que Deus é ilimitado, eterno, imutável, invisível, imaterial, não composto de partes, e sempre presente em toda parte. Portanto, Deus não pode ter um corpo (isso não quer dizer que uma das pessoas da Trindade não poderia assumir, ou adicionar um natureza humana que inclui um corpo material, como é o caso de Jesus, que agora tem duas naturezas: divina e humana).
Se é logicamente impossível para Deus ter um corpo, então as passagens que falam das partes do corpo de Deus não podem ser interpretadas literalmente, elas devem ser interpretadas no sentido figurado. Quando os autores bíblicos atribuem características humanas a Deus, eles estão usando uma figura de linguagem chamada antropomorfismo. Isso significa que eles estão se referindo a Deus em termos das partes do corpo humano ou paixões. Falando figurativamente das mãos de Deus, dos olhos, da raiva, ou até mesmo do amor, ajuda o homem finito a compreender as verdades sobre um Deus infinito e da forma como Ele age. O teólogo Lewis Sperry Chafer comenta, “onde membros físicos são, portanto, atribuídos a Deus, não é uma afirmação direta de que Deus possui estes membros, ou um organismo corporal [físico] com suas partes, mas que Ele é capaz de fazer exatamente as mesmas coisas que são as funções da parte física do homem.”26
Se todas as características que são atribuídas a Deus na Bíblia forem tomadas literalmente, poder-se-ia ter a idéia absurda de Deus como tendo asas e penas (Sl 17.8), sendo feito de pedra (Sl 18.31), ou ter olhos que literalmente “passam por toda a terra” (2 Cr 16.9). Dake reconhece que atribuir literalmente características de aves ou de pedras a Deus resulta em conclusões absurdas, no entanto, ele não reconhece que atribuir literalmente características humanas a Deus resulta também em conclusões absurdas. Ao tomar passagens antropomórficas literalmente, Dake negou a doutrina cristã histórica de Deus. Assim, ele faz parte dos que “mudaram a glória do Deus incorruptível em semelhança da imagem de homem corruptível” (Rm 1.23 ACF).
A TRINDADE
Dake define a Trindade como “a união de três pessoas: o Pai, o Filho e o Espírito Santo em uma divindade (unificada), de modo que todas as três pessoas são um em unidade e substância eterna, mas três pessoas distintas e separadas como a individualidade.”27 Esta declaração é semelhante as definições cristã históricas da Trindade, como nos credos antigos, mas a visão de Dake da Trindade claramente não é a mesma da visão cristã histórica.
A visão cristã histórica da Trindade – que Deus é um ser constituído por três pessoas – é “no mínimo, tola e sem base escriturística”, diz Dake.28 Ele afirma, é uma falácia “que só exista uma única pessoa ou um ser chamado Deus.”29 Dake diz que a Trindade são três pessoas separadas e distintas em um só Deus, no entanto, ele define pessoa como “um ser racional com presença corporal, paixões da alma, e as faculdades do espírito.”30 Na sua opinião, PESSOA e SER significam a mesma coisa. Ele conclui, portanto, que a Trindade são três seres separados e distintos, cada um com um corpo, alma e espírito: “O que queremos dizer por Trindade Divina é que existem três pessoas distintas e separadas na divindade, cada uma tendo o seu próprio corpo-espírito, alma pessoal e espírito pessoal, no sentido de que cada ser humano, anjo, ou qualquer outro ser tem seu próprio corpo, alma e espírito.”31
Essa caracterização da Trindade como três seres separados é diferente da visão cristã histórica de que a Trindade são três pessoas distintas, que estão unidas em uma essência ou substância – em outras palavras, um SER. Quando Dake diz que “todas as três pessoas são uma em unidade e substância eterna”, significa três seres separados que estão em uma unidade ou propósito. É verdade que todas as três pessoas da Trindade são um em propósito, mas a visão cristã histórica é que “um em substância” significa um em ser (essência ou natureza). Em outras palavras, a Trindade são três pessoas, que são um ser.
O Credo de Atanásio (c. AD 361) foi escrito em parte para defender o entendimento ortodoxo da Trindade contra um erro conhecido como triteismo, o qual diz que a Trindade são três deuses separados. O Credo declara: “Adoremos um único Deus em Trindade, e a Trindade em Unidade, não confundindo as Pessoas, nem dividindo a Substância.”32 Trinitarianos tem historicamente compreendido que Substância aqui quer dizer Essência ou Ser, não propósito como Dake argumenta.
Trinitarianos, além disso, não entendem ser como signficando a mesma coisa que pessoa, como argumenta Dake, caso contrário, a Trindade seria três seres infinitos e perfeitos. O teólogo Henry Thiessen salienta, “só pode haver um ser infinito e perfeito. Postular dois ou mais seres infinitos é ilógico e inconcebível”.33 Uma razão porque não pode haver dois ou mais seres infinitos e perfeitos é porque eles teriam que diferir uns dos outros de alguma forma, e diferir significa que em cada ser deve faltar alguma coisa que os outros têm; no entanto, se lhes falta alguma coisa, eles não são seres infinitos e perfeitos e, portanto, só pode haver um ser infinito e perfeito.
Muitas das declarações de Dake a respeito da Trindade são semelhantes às clássicas declarações Trinitarianas, mas a sua opinião não é a mesma da visão cristã histórica, se fosse a mesma, ele certamente não teria chamado a visão cristã de tola e não escriturística.
JESUS CRISTO
O equívoco de Dake sobre a natureza de Deus, também resulta em uma problemática visão da natureza de Jesus. Ele ensina, por exemplo, que Jesus se tornou o Filho de Deus na Sua encarnação34 (a tese defendida pelas Testemunhas de Jeová e conhecida como adocionismo) e que Jesus se tornou o Messias em seu batismo35 (Veja, no entanto, Lc 2.11 e Mt 2.4). Estas opiniões foram rejeitadas pela maioria da igreja ao longo da história. Seus pontos de vista mais preocupantes, porém, referem-se a encarnação e a ressurreição de Jesus.
Dake argumenta, como acima referido, que antes da encarnação, o Filho (Jesus) tinha um corpo-espírito, assim como o Pai e o Espírito; no entanto, ele diz que quando Jesus veio à Terra, ele trocou seu corpo-espírito por um corpo humano: “Ele colocou de lado o seu corpo de Deus para ter um corpo humano, Sua imortalidade no corpo para se tornar mortal.”36 A ressurreição de Jesus, na visão de Dake, foi o retorno a um corpo espiritual, o mesmo tipo de corpo que os crentes receberão na sua ressurreição. Dake afirmou: “Assim como os corpos ressuscitados de carne e osso dos santos são chamados de “espirituais” (1 Co 15.44), e os corpos espirituais são substâncias materializadas e espiritualizadas – algo que não conhecemos, porque não temos experiência no momento presente.”37 Este tipo de corpo espiritualizado, argumenta ele, permitiu que Jesus (assim como acontecerá conosco) passar por portas (João 20.26), aparecer e desaparecer à vontade (Lc 24.31) e mudar de forma (Marcos 16.12).
Há várias razões para se rejeitar a visão de Dake de que o corpo ressuscitado do homem não será físico (ou seja, material). Em primeiro lugar, a Escritura ensina que o corpo ressuscitado de Jesus era o mesmo corpo físico que entrou no túmulo. Jesus declarou aos judeus, por exemplo, “Derribai este templo, e em três dias o levantarei.”(João 2:19, o grifo é nosso). João explicou: “Ele falava do templo do seu corpo” (v. 21). Em outras palavras, o corpo que saiu da sepultura era o mesmo que foi para dentro.
Em segundo lugar, de acordo com Pedro, Davi previu que o corpo de Jesus não veria a corrupção no túmulo (Atos 2.30-31; cf. Sl 16.10). Não haveria razão para Deus preservar o corpo físico de Jesus, se este seria trocado por um corpo diferente e espiritual.
Em terceiro lugar, muitas das aparições de Jesus pós-ressurreição nos evangelhos enfatizam a natureza física do seu corpo ressuscitado: tinha carne e ossos (Lucas 24.39), tinha as feridas da crucificação (João 20.27), ele comeu o alimento (Lucas 24.41-43), e foi reconhecido e tocado fisicamente por seres humanos (Mt 28.9, Lucas 24.39, João 20.17, 27).38 Os Evangelhos atestam que o corpo de Jesus, que surgiu e apareceu aos discípulos e a outras testemunhas era o mesmo corpo físico que foi crucificado.39
Dake reconhece o forte apoio bíblico que o corpo ressuscitado de Jesus era (e é) físico de carne e ossos. Ele argumenta vigorosamente, no entanto, com base em sua visão do “corpo espiritual” de 1 Coríntios 15, que o corpo de Jesus foi de “substância materializada e espiritualizada.” Uma “substância materializada e espiritualizada”, no entanto, é uma contradição de termos; aliás , a expressão “corpo-espírito”, como definida por Dake, é o mesmo que dizer “material imaterial”, que também é uma contradição de termos. Uma coisa é material ou imaterial – não existe meio termo.
NATUREZA DE JESUS ENQUANTO NA TERRA
Paulo diz que Jesus “esvaziou-se a si mesmo, tomando a forma de servo, fazendo-se semelhante aos homens” (Fp 2.7). Isto é conhecido como a passagem kenosis, que vem de um verbo grego que significa “esvaziar”. A pergunta é: o que significa “esvaziou-se”, e do que Jesus esvaziou-se enquanto na Terra?
Rhodes explica, “a declaração de Paulo … envolve três questões básicas: o encobrimento da glória [de Cristo] preincarnada, a não utilização voluntária de alguns de seus atributos divinos, e a condescendência envolvida em assumir a semelhança dos homens”.40 Jesus “esvaziou-se” voluntariamente, por limitar a utilização de alguns dos seus atributos divinos, enquanto na terra, mas em nenhum momento ele deixa de possuí-los.
Dake argumenta, porém, que Jesus não possuía os seus atributos divinos na Terra. Ele explica: “As limitações de Cristo em conhecimento e sabedoria não podem ser explicadas e harmonizadas com o fato de que Cristo tinha onisciência [conhecimento ilimitado]. Suas limitações em poder e sua impotência para agir e fazer as coisas em si mesmo não podem ser harmonizadas com o fato de que Ele tinha o seu atributo original de onipotência [poder ilimitado] …. Cristo esvaziando-se, na realidade, inclui a retirada de seus atributos e poderes, ou pelo menos, limitações deles em tornar-se homem.”41 Dake diz que Jesus “não poderia ter mantido a imutabilidade.”42 Finalmente, Dake afirma que Jesus se tornou desigual de Deus: “Se ele não tivesse deixado de lado a Sua igualdade como Deus, então Ele não poderia ter sido desigual de Deus como manifestado nos dias da sua carne.”43
Há uma série de problemas com a visão de Dake. Primeiro, o fato de que Jesus não saber ou não fazer alguma coisa não significa que Ele não pudesse saber ou fazer. Uma pessoa pode optar por não abrir a porta para ver quem está batendo, mas isso não significa que a pessoa não tem o poder para fazê-lo. Em várias declarações, Dake parece deixar espaço para o ponto de vista de que Jesus meramente escolheu não usar seus atributos divinos, mas essa visão exige que Jesus possuía os seus atributos divinos, o que é incompatível com muitos dos argumentos de Dake de que Ele não os possuía.
Em segundo lugar, sem os Seus atributos divinos, Jesus não pode ser Deus. Isto é porque Deus é um ser perfeitamente simples, ou seja, Ele não é composto de partes, o que significa que seus atributos e sua natureza são uma e a mesma coisa. Deus não apenas tem o atributo de onipotência, por exemplo, ele é onipotência. Em outras palavras, Deus sem um de Seus atributos não é Deus. A natureza de Deus, além disso, é imutável (não muda), o que significa que Ele não pode mudar e tornar-se diferente do que Ele é. Por exemplo, Deus não pode mudar de ser ilimitado em poder para ser limitado em poder. Também é ilógico dizer, como faz Dake, que Jesus mudou de ser imutável (que não muda) para ser mutável (que muda).
Por último, dizer que Jesus deixou de lado a “sua igualdade como Deus” vai contra às suas reivindicações de ser (igual a) Deus e, ao invés disso, concorda com os fariseus, que disseram que Ele, sendo um homem, fazia-se falsamente Deus (João 10.30-33).
No encarnação (quando Cristo “tornou-se humano”), a natureza de Cristo não mudou de divina para humana, mas sim, a segunda pessoa da Trindade assumiu a natureza humana além de Sua natureza divina. Jesus Cristo, o Deus-Homem, possui duas naturezas distintas e separadas em Sua pessoa. Esta doutrina foi exposta no Concílio da Calcedônia (451 dC). A encarnação, portanto, não requer de Jesus a desistência de Sua natureza divina ou atributos. Qualquer limitação que Ele tinha pode ser aplicada tanto à Sua natureza humana (por exemplo, seu corpo físico não poderia estar presente em todos os lugares ao mesmo tempo) quanto à Sua escolha de não exercer certos atributos de Sua natureza divina, os quais Ele possuia integralmente mesmo estando na Terra.
A visão de Dake de que Jesus manteve a sua natureza divina, mas desistiu de muitos atributos que faziam parte dessa natureza é contraditória. Isso revela uma incompreensão da natureza divina e compromete a própria divindade de Jesus, na qual ele afirma acreditar.
SALVAÇÃO E OBRAS
A visão de Dake sobre a salvação é uma outra área problemática. Por um lado, ele afirma que a salvação é pela graça e não por obras: “A vida eterna é um dom gratuito… Os homens merecem o inferno, e não a vida eterna. Jesus Cristo sozinho a proporcionou e a dar livremente a todos os que crêem.”44 Ele também diz que é somente pela fé e não pelas obras: “A lei das obras não pode perdoar …. Somente a fé em Cristo perdoará e cancelará a pena da morte.”45
Por outro lado, ele nega categoricamente que a graça sozinha seja suficiente para a salvação: “É verdade que a graça não pode ser… misturada com a lei das obras, mas isto não prova que não haja condições que os homens devem respeitar a fim de obter os benefícios da graça. Nenhuma Escritura ensina uma graça incondicional.”46 Ele afirma: “A graça não pode desculpar e ignorar a falha do homem salvo em atender as várias condições para a salvação.”47 Ele enumera, por exemplo, “duas coisas são necessárias para que alguém seja salvo de todos os pecados, e somente duas”,48 “três coisas que os homens devem fazer e continuar fazendo para receberem a vida eterna”,49 “sete condições para a salvação eterna”,50 e “23 condições para a vida eterna.”51 Em um comentário, ele diz, “Há 1.050 mandamentos no NT para o cristão obedecer …. Se obedecidos, eles trarão ricas recompensas aqui e para sempre; se desobedecidos, eles trarão condenação e punição eterna.”52
Na opinião de Dake, a graça pode anular a condenação somente se alguém permanecer livre do pecado. Em uma seção listando “30 coisas que a graça não pode fazer”, ele afirma: “A falácia moderna de que o perdão judicial abrange todos os pecados passados, presentes e futuros, que Deus não imputa os pecados aos crentes, e que Deus nunca condena um homem salvo por quaisquer pecados cometidos, mas debita-os ao Senhor Jesus Cristo, é uma das teorias mais antibíblicas e inspiradas por demônios em qualquer igreja.”53
De acordo com Dake, a justificação, o ato inicial de Deus pelo qual Ele declara o crente pecador justo, é mantida por obedecer certas condições e por não pecar: “todo ato de obediência é um ato de fé e as obras combinadas para manter a justificação diante de Deus.”54 Ele afirma em outro lugar que um crente que peca pode perder a sua salvação e novamente ser condenado: “Um homem perdoado de seus pecados passados deve abandonar o pecado. Se ele comete os mesmos pecados novamente, após a conversão, ele será novamente cobrado por eles. Eles devem ser devidamente confessados e perdoados novamente, ou ele vai pagar a pena da morte pelos novos crimes.”55
Dake falha de clara e consistentemente ensinar que a salvação (justificação) é pela graça somente, através da fé somente, independente das obras – duas das doutrinas centrais da Reforma Protestante. Ele afirma que a salvação é pela graça mediante a fé, mas ele também ensina que a obediência e a confissão dos pecados são necessários para receber e manter a justificação. Este é um confuso evangelho da graça mais as obras. A Escritura, no entanto, ensina que a única condição que uma pessoa deve cumprir para receber e manter a vida eterna (a salvação) é “crer no Senhor Jesus Cristo” (At 16.31, cf. Jo 3.18, 20.31; Ef 2.8). Ela também ensina que o crente não perde a vida eterna e cai em condenação, quando ele ou ela peca (Jo 3.18, 5.24, Rm 8.1-4, 33-39).
SAÚDE GARANTIDA
A interpretação literal de Dake de passagens como Isaías 53.5, João 14.14, e 3 João 2 resultado do fato de que Jesus carregou nossas enfermidades, bem como o nosso pecado na expiação, portanto, a cura física pode ser apropriada pela fé da mesma forma que o perdão. Ele afirma,
“Todo mundo pode ficar curado agora – agora mesmo pela fé – tanto quanto ele pode ser perdoado dos pecados agora. A razão pela qual nem todos são curados é porque eles não acreditam nessa verdade e não a aceitam assim como aceitam o perdão dos pecados … Tanto o perdão como a cura foram expiados na cruz, mas eles são apropriados individualmente pela fé quando se reúne as condições necessárias de arrependimento e fé na expiação. Todo o inferno não pode privar-lhe dessas bênçãos se você se recusa a permitir que forças demoníacas o derrote.”56
O problema com o equacionamento da doença física com o pecado na expiação é que se uma pessoa não tem fé suficiente para ser curado, então essa pessoa não tem nenhuma garantia de que ele ou ela tem fé suficiente para ser salvo. Hank Hanegraaff salienta, “se ambas. cura e salvação, estão incluídas na [expiação], elas devem ser acessadas da mesma maneira. E se alguém não tem fé suficiente para ser curado, segue-se que não terá fé suficiente para ser salvo. Portanto, aqueles que morrem fisicamente, devido à falta de fé, também devem acabar no inferno, pela mesma razão.”57
Na opinião de Dake, a falha em ser curado reflete a descrença intencional e a desobediência às leis de Deus e da natureza.58 Ele ainda chama isso de pecado da doença: “Torna-se pecaminoso por ter em nossos corpos aquilo pelo qual Cristo já morreu para nos dar.”59 Esta visão não é apenas antibíblica, acrescenta a culpa a uma pessoa que já está sofrendo de uma doença ou enfermidade. Uma pergunta a considerar, se Dake acreditava que a sua própria incapacidade de ser curado da doença de Parkinson, que eventualmente levou a sua vida, era um pecado devido à incredulidade.
Dake argumenta que negar a sua visão resulta na conclusão absurda de que Deus quer que sejamos doentes: “Vamos dizer que é a vontade de Deus vivermos em corpos doentes e enfermos, do que livres e saudáveis?60 Este é um falso dilema. Não é o caso de que Deus queira curar a doença agora, ou que Ele prefira a doença do que a saúde; há uma terceira opção: Deus derrotará a doença e a enfermidade no futuro. Paulo, de fato, afirmou que o mundo inteiro está esperando a redenção completa e final dos efeitos da queda, o que inclui doenças e enfermidades (Rm 8.18-25).
O tema recorrente de Dake da saúde garantida pela confissão positiva da fé é acompanhado por seu tema de prosperidade garantida.61 Estas são doutrinas padrão entre os mestres da Palavra da Fé e podem devastar a saúde de uma pessoa, as finanças e a fé se seguidas.
PERIGO ADIANTE
A visão de Dake das doutrinas cristãs essenciais, às vezes, tem mais em comum com a teologia das seitas do que com a teologia cristã histórica. Suas obras, apesar de conterem muitas verdades bíblicas, incluem vários outros ensinamentos antibíblicos e bizarros, tais como: Deus vive em uma mansão em um planeta material chamado Céu e é invisível para nós só porque ele está tão longe que não podemos vê-lo,62 os seres humanos são miniaturas de Deus em atributos e poder,63 Adão substituiu Lúcifer como governante da terra,64 os germes da doença estão relacionados aos demônios,65 Deus quer que as raças permaneçam separadas como eram originalmente, e será na eternidade.66
É lamentável que as obras espúrias de Dake sejam tão bem-vindas nas igrejas e livrarias cristãs!
NOTAS
1. Stanley M. Burgess and Gary B. McGee, Dictionary of Pentecostal and Charismatic Movements (Grand Rapids: Regency Reference Library, 1988), s.v. “Dake, Finis Jennings.”
2. Finis J. Dake, “A True Story of a Magnificent Gift,” Dake Publishing, http://www.dake.com/true.html.
3. Burgess and McGee.
4. “Rev. Dake to Preach until Term Starts,” Waukegan (Illinois) News-Sun, February 10, 1937, 1.
5. Ibid.; see also Burgess and McGee.
6. “Zion Minister Fails to Post Mann Act Bail,” Chicago Daily Tribune, May 28, 1936, 17.
7. “Rev. Dake to Preach until Term Starts.”
8. “Flock Absolves Petting Parson, but Jail Awaits,” Chicago Daily Tribune, February 10, 1937, 3. Some suggest that this commentary became the notes for The Dake Annotated Reference Bible.
9. Burgess and McGee.
10. Richard Love and Jennifer Bryon Owen, “The Pentecostal Study Bible,” Charisma and Christian Life, January 1988, 39.
11. Finis Jennings Dake, foreword to God’s Plan for Man [hereafter GPFM] (Lawrenceville, GA: Dake Bible Sales, 1949).
12. Finis Jennings Dake, The Dake Annotated Reference Bible [hereafter DARB] (Lawrenceville, GA: Dake Bible Sales, 1963).
13. Burgess and McGee.
14. Keel Germaine, “Dake Bible Fills Niche,” CBA Marketplace, January 1997, 12.
15. Love and Owen, 39.
16. Jimmy Swaggart, “In Memory: Finis Jennings Dake 1902–1987,” Evangelist, September 1987, 44.
17. Larry Ollison, e-mail correspondence with author, July 25, 1997.
18. David G. Roebuck, e-mail correspondence with author, July 23, 1997.
19. GPFM, 37.
20. Ibid., 47. See foreword to GPFM; preface to DARB.
21. Ibid., 56.
22. Ibid., 57.
23. Ibid., 52.
24. Norman Geisler and Ron Rhodes, When Cultists Ask (Grand Rapids: Baker Book House, 1997), 23.
25. GPFM, 56–57.
26. Lewis Sperry Chafer, Systematic Theology, vol. 1 (Grand Rapids: Kregel, 1993), 181–82.
27. GPFM, 51
28. Ibid., 53.
29. DARB (New Testament), 280.
30. GPFM, 50.
31. DARB (New Testament), 280, emphasis added; GPFM, 65, 498.
32. The Greek and Latin Creeds, vol. 2, The Creeds of Christendom, 6th ed., ed. Philip Schaff (1931; repr., Grand Rapids: Baker Book
House, 1985), 66.
33. Henry Thiessen, Lectures in Systematic Theology, rev. ed. (1949; repr.,Grand Rapids:WilliamB. Eerdmans PublishingCompany, 2001), 89.
34. DARB (New Testament), 57 n. d, 93 n. r.
35. Ibid., 1 n. a; GPFM, 377.
36. GPFM, 496.
37. Ibid., 60.
38. Norman L. Geisler, In Defense of the Resurrection (Clayton, CA: Witness, 1993), 122–29.
39. William Lane Craig, Knowing the Truth About the Resurrection (Ann Arbor, MI: Servant Books, 1981), 108.
40. Ron Rhodes, Christ Before the Manger (Grand Rapids: Baker, 1992), 195.
41. GPFM, 387.
42. Ibid., 398.
43. Ibid.
44. DARB (New Testament), 165 n. h.
45. Ibid., 163 n. e.
46. Ibid., 226, emphasis in original.
47. GPFM, 343.
48. Ibid., 433.
49. DARB (New Testament), 107.
50. Ibid., 67.
51. Ibid., 100.
52. Ibid., 313.
53. GPFM, 342, emphasis in original; cf. 610. See also, “Redemption Fallacies Refuted,” DARB (Old Testament), 625–26.
54. DARB (New Testament), 261 n. m.
55. DARB (Old Testament), 625–26.
56. GPFM, 946.
57. Hank Hanegraaff, Christianity in Crisis (Eugene, OR: Harvest House Publishers, 1993), 250.
58. GPFM, 262.
59. Ibid., 944–45.
60. Ibid., 946.
61. Ibid., 217–22.
62. GPFM, 57–58.
63. DARB (Old Testament), 548.
64. GPFM, 118.
65. Ibid., 241.
66. “30 Reasons for Segregation of Races,” DARB (New Testament), 159. For Dake Publishing’s account of their attempts to rectify
a controversy with Frederick K. C. Price regarding this passage, see “Answering the Charge of Racism,” Dake Publishing, http://www.dake.com/ position.html
* Notas do tradutor.