Uma irmã muita simples me perguntou: “pastor, o que é autoridade espiritual?”.
A pergunta é simples e a resposta devia ser simples também. Autoridade espiritual é a autoridade de Jesus Cristo sobre todas as coisas no céu e na terra, o que inclui o mundo visível e invisível, pois foi Cristo quem disse “toda a autoridade me foi dada no céu e na terra” (Mt 28.19 ARA). E, por conseguinte, todo cristão, que tem fé em Cristo, recebe autoridade delegada para curar os enfermos, expulsar os demônios, fazer maravilhas, falar novas línguas, profetizar, pregar, ensinar, etc., tudo isso em nome de Jesus Cristo, o Rei dos reis e Senhor dos senhores.
O problema é que alguns crentes andaram lendo o livro de Watchman Nee, “Autoridade Espiritual”, e estão aplicando os conceitos dele de forma inadequada. Respeito os conceitos do renomado pregador chinês e plantador de igrejas, fundador das chamadas “igrejas locais”, mas precisamos analisá-los à luz do Novo Testamento, sobre o conceito de autoridade que deve ser aplicado à Igreja de Cristo.
O uso que estão fazendo dos conceitos de Nee é para fortalecer certos “pastores autoritários e ditadores”, que querem subjugar o povo de Deus, falando que a Bíblia instrui os crentes a obedecerem seus pastores em “tudo”, mesmo que estejam errados, porque não podemos questionar nossos líderes e nem falar nada deles, visto que são “ungidos do Senhor”. O próprio Nee não diz isso em seu livro, pois ele diz que a obediência é relativa. Há também a tal de “cobertura espiritual”, que diz que os crentes que obedecem aos seus líderes estão debaixo dessa “cobertura”. Não sei onde fica o Salmo 91.1 nessa: “AQUELE que habita no esconderijo do Altíssimo, à sombra do Onipotente descansará”. Se Deus não for a nossa “cobertura” não sei como venceremos o mal.
Basta uma leitura simples e despretenciosa do Novo Testamento, que notaremos que o autoritarismo de alguns líderes cristãos não têm nenhuma base. Alguns recorrem a textos como Romanos 13.1-7, Hebreus 13.17 e 1 Tessalonicenses 5.12,13 para justificarem suas “arbitrariedades”, “domínio” e “subjugação” do povo de Deus. Romanos 13 refere-se as autoridades seculares e não eclesiástica, pois o próprio Cristo faz essa diferença em Lucas 22.25,26. Portanto, usar esse texto para justificar o autoritarismo é totalmente descabido. O texto de Hebreus 13 está em um contexto mais amplo, com várias admoestações, mas os adeptos do autoritarismo fixam-se apenas no versículo 17. Observe primeiro o versículo 7, “Lembrai-vos dos vossos pastores, que vos falaram a palavra de Deus, a fé dos quais imitai, atentando para a sua maneira de viver”. O crente em sã consciência jamais vai desrespeitar e desobedecer aos “seus pastores” (sim está no plural, e não no singular, como alguns querem), desde que estes se mantenham dentro do que a Bíblia ensina e do que é coerente. Interessante que o termo “pastores” no texto da Almeida Revista e Atualizada é trocado por “guias” o que corrabora com a idéia de obediência e submissão voluntária a eles. Quem é louco de desobecer um “guia” turístico, num safari na África, por exemplo? Assim o guia espiritual vai guiar os crentes dentro da Palavra de Deus, a qual ele mesmo conhece, obedece e vive. A obediência, nesse caso, é à Palavra de Deus, pregada e ensinada pelos pastores ou guias, pois se assim o fizermos eles trabalharão com alegria e não gemendo. O texto de 1 Tessalonicenses 5.12,13 diz que devemos reconhecer os que presidem sobre nós e nos admoestam e que os tenhamos em grande estima e amor, por causa da obra. Isso é coerente com o respeito e o amor cristãos! Reconhecer, estimar e amar é dever de todo crente, não só para com os pastores e líderes, mas para com todos.
Mas o problema não está na questão da submissão e obediência à liderança da igreja, pois o povo de Deus é um povo ordeiro, é “o rebanho de Deus”, ovelhas, mansas e humildes, que reconhecem aqueles que realmente são homens de Deus, mas no abuso de autoridade de alguns desses líderes, que exigem obediência irrestrita dos crentes, como se eles dominassem sobre suas próprias vidas e vontades.
Agora, o ensino geral, para todos os crentes, inclusive pastores e líderes, é: “Nada façais por contenda ou por vanglória, mas por humildade; cada um considere os outros superiores a si mesmo” (Filipenses 2.3). Vamos ver o que Jesus disse sobre o assunto: “E ele lhes disse: Os reis dos gentios dominam sobre eles, e os que têm autoridade sobre eles são chamados benfeitores. Mas não sereis vós assim; antes o maior entre vós seja como o menor; e quem governa como quem serve” (Lucas 22.25,26). Note que Jesus diferencia o governo secular do governo eclesiástico, “não sereis vós assim“. Vejamos também a recomendação de Pedro aos pastores: “Apascentai o rebanho de Deus, que está entre vós, tendo cuidado dele, não por força, mas voluntariamente; nem por torpe ganância, mas de ânimo pronto; Nem como tendo domínio sobre a herança de Deus, mas servindo de exemplo ao rebanho. E, quando aparecer o Sumo Pastor, alcançareis a incorruptível coroa da glória” (1 Pedro 5.1-3). Veja bem, o rebanho de Deus, que está entre vós, pois “vós” também faz parte dele. Assim, o ensino neotestamentário é que devemos nos amar e respeitar mutuamente, e não que devemos dominar uns sobre os outros.
Com relação a expressão “ungido do Senhor” ela ocorre 10 vezes Antigo Testamento (1 Sm 24.6,10; 26.9,11,16,23; 2 Sm 1.14,16; 19.21; Lm 4.20). Oito vezes refere-se a Saul, uma vez a Davi e uma vez ao povo de Israel. Essa expressão não é usada para pastores ou líderes da igreja cristã. No Novo Testamento o próprio Senhor Jesus Cristo é o Ungido do Senhor. E, de modo geral, todo crente é “ungido do Senhor”, pois todos receberam a “unção do Santo” (1 João 2.20,27), dada pelo próprio Espírito Santo, visto que “todos” somos “templos do Espírito Santo” e “todos nós fomos batizados em um Espírito, formando um corpo, quer judeus, quer gregos, quer servos, quer livres, e todos temos bebido de um Espírito” (1 Coríntios 12.13).
Bem, amados, o que escrevo aqui não é para sermos subversivos e desobedientes aos nossos líderes. Não, de maneira alguma! O que escrevo é como um alerta para que não nos deixemos abusar por líderes dominadores, ditadores e autoritários, que querem subjugar o povo de Deus para que façam o que eles bem quiserem, como quem dominam sobre “o rebanho de Deus”, inclusive nossas vidas particulares.
“Devemos sim, ter os nossos pastores e líderes de forma respeitosa e submissa, visto que eles nos guiam na Palavra e no ensino de Deus, devemos confiar, de coração aberto, que os mesmos são servos de Deus para cuidar, apascentar e ensinar a Igreja de Cristo e também para coordenar a igreja em sua forma funcional e organizacional. O Pastor merece honra, reconhecimento e respeito de todos da Igreja. Porém, o Pastor também é humano, sujeito a erros e a pecados, bem como a exortação e repreensão, jamais devemos ter nossos pastores ou líderes como se fossem superiores aos demais irmãos da igreja, como se os mesmos possuíssem ‘unção diferenciada’ ou ‘poderes especiais’” (palavras de Ruy Marinho, blog Bereianos).